A língua girava no céu da boca


A língua girava no céu da boca. Girava! Eram duas bocas, no céu único.

O sexo desprendera-se de sua fundação, errante imprimia-nos seus traços de cobre. Eu, ela, elaeu.

Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu. A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava. Consumia-nos em piscina de aniquilamento. Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós.

A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência. O sexo reintegrou-se. A vida repontou: a vida menor.


Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987) foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX. Foi aluno do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo. Aos 15 anos, enquanto aluno do colégio, publicou seu primeiro texto, "Vida nova" — que saiu no dia 14 de abril de 1918 no jornal "Aurora Collegial" — falava da expectativa da chegada à nova escola, "com a alma povoada de esperanças miríficas e sonhos maravilhosos". Foram apenas dois anos de Anchieta, período em que ele escreveu pelo menos dez crônicas. Carlos Drummond de Andrade desde o início demonstrou seu desassossego, em cartas para a mãe, reclama da saudade, do frio, do dormitório que lembra um hospital, do travesseiro que ele ensopou de "lágrimas ardentes", e do banho de madrugada no chuveiro gelado. Formado em farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais , com Emílio Moura e outros companheiros, fundou "A Revista", para divulgar o modernismo no Brasil. Drummond, como os modernistas, segue a libertação proposta por Mário e Oswald de Andrade; com a instituição do verso livre, mostrando que este não depende de um metro fixo. Se dividirmos o modernismo numa corrente mais lírica e subjetiva e outra mais objetiva e concreta, Drummond faria parte da segunda, ao lado do próprio Oswald de Andrade.

Extraído do livro "O amor natural", Editora Record – RJ, 1992, pág. 29.

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